Muitos podem ter estranhado o título, um tanto polêmico à primeira vista, mas esse é o 6º passo do livro "Em 6 passos o que faria Jesus", do Paulo Brabo. O termo 'sensualizar' é usado no sentido de "relativo aos sentidos ou aos órgãos dos sentidos." Ele quer falar para trazermos nosso contexto de adoração aos nossos sentidos: visão, tato, olfato, audição e paladar, e saber reconhecer Deus nas coisas simples do nosso dia a dia... Vale a pena ler!
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Vivemos como cristãos esmagados por uma obsessão espiritualizante. Lemos a Bíblia, mas mantemos os olhos fechados para a revelação a que as narrativas dos evangelhos parecem dar maior ênfase – que, incrivelmente, inquietantemente Jesus exercia (e portanto enxergava) a sua espiritualidade na esfera do toque, da visão, da companhia, da presença, do sabor, da voz, dos elementos, da comida, da natureza, do abraço. A nota central dos evangelhos está em que Deus fez-se, assombrosamente, carne. Submeteu-se voluntariamente ao sangue, ao envelhecimento, ao suor, à bílis, aos gases, à urina, ao sêmen, à saliva, às fezes. Submeteu-se ao hálito de outros, ao toque de estranhos, ao abraço de amigos, ao açoite de antagonistas.
Deus fez-se carne. Em absoluto contraste com ele, tudo que fazemos como cristãos, tudo com que nos ocupamos e rotulamos de espiritualidade, é para disfarçar a carne que somos. Jesus aprendeu a viver na carne e mostrou notável desenvoltura dentro dela; em contraste com ele, sentimos que a carne nos incomoda, nos constrange, nos envergonha. A carne é embaraçosa. O fato de vivermos constantemente sujeitos à doença, à fome, à dor, à solidão, à decrepitude, ao ciclo digestivo, à morte e outras vergonhas inerentes à nossa condição pode produzir em nós uma implacável ojeriza contra a carne. Nosso escape para esse fastio, somos levados comumente a crer, está na espiritualidade convencional – espiritualidade que é forjada para demonizar o corpo e seus embaraços e pregar que Deus só pode ser experimentado nas esferas supostamente superiores da mente, do escape da realidade, dos olhos fechados, da privação dos sentidos.
De fato cremos que o
momento espiritual acontece enquanto o órgão está tocando; a pizza que virá
depois não é espiritual. Orar antes de dormir é espiritual, levar o lixo para
fora não. O côro de anjos é espiritual, a roda de samba não. Dar o dízimo é
espiritual, oferecer a alguém um chiclete não. Ler a Bíblia para o velho cego é
espiritual, dar-lhe banho não. A vida devocional dos namorados é espiritual, seu
beijo não. (...)
No que pode nos parecer
escandaloso, Jesus deixava claramente a impressão de que estava tratando
primordialmente com corpos, não com espíritos. Ele tinha histórias para
contar, verdades a ensinar e revelações espetaculares para fazer, mas seu
dia-a-dia e sua agenda permaneciam entranhados no domínio do corpo e da
experiência dos sentidos – de pessoas que precisavam de cura, de pessoas que
precisavam de comida, de pessoas que precisavam andar, de pessoas que
precisavam de sexo, de pessoas que precisavam de visão, de pessoas que
precisavam de companhia, de pessoas que precisavam de trabalho, de pessoas que
precisavam de dinheiro, de pessoas que não queriam morrer. O Filho do Homem não
apenas recusou o ascetismo de João Batista, ele ensinou da maneira mais
espetacular que Deus é encontrado e vivido no reino das pequenas coisas, no
domínio vulgar da carne e dos sentidos. O Deus encarnado era um homem que bebia
vinho, que assava peixe, que colhia figos, que tocava leprosos, que cuspia na
terra e fazia lodo, que colocava a mão no prato de molho, que pedia água, que
deixava uma mulher massagear-lhe os pés, que deixava um homem recostar-se no
seu peito, que sentia medo e dor e sangrava e podia morrer. (...)
Queremos que as pessoas “conheçam Jesus”
através da assimilação intelectual do nosso discurso, e nunca pelo intercâmbio
de caminhadas e pelo choque custoso entre corpos. Não queremos de modo algum
traficar com a carne, porque não queremos que Deus trafique através dela.
Esquecemos, miseravelmente, que a natureza divina de Jesus não estava escondida
na sua carne. Estava manifesta nela.
Essa nossa infantil negação da carne nos
torna, entre outras coisas, companhia insuportável para todos ao nosso redor, e
ainda para nós mesmos. Vivemos como se a espiritualidade (como se a verdadeira
vida!) fosse terreno exclusivo
do incorpóreo e do intelectual – da oração, da devocional, da meditação, do
discurso, da leitura. Fora raras exceções determinadas por um emocionalismo
arbitrário, não conseguimos ver nenhuma espiritualidade num abraço, numa
caminhada pela praia, num jogo de cartas, numa escalada, num café, numa
churrascada, numa flor, num pedaço de pão, na mão de um amigo, numa dor de
dente, nas pessoas que estão com você na casa de praia. Isso enquanto o
testemunho do homem-Jesus proclama em altos brados, de sua pedra de escândalo
do Novo Testamento, que não há exceções à universal santidade das relações da
carne com o universo. Deveríamos andar descalços todo o tempo, pois somos terra
santa. Jesus não apenas tolerou a carne. Ele não apenas rebaixou-se à carne e
por certo não aboliu: Jesus a redimiu. Somos constantemente ensinados sobre a
importância de morrer e ressuscitar como Jesus, mas – ai de nós – não há quem
nos ensine a encarnar.